quinta-feira, 20 de outubro de 2016

CAPÍTULO 2- COMO MUDAR DE VIDA...


A MUDANÇA PARA O MONTE, em Grândola, debaixo das estrelas...


Largar tudo e recomeçar


Fomos os últimos a entregar aquela correspondência, naquela noite de Junho (há cerca de 3 anos), último dia para entregar o projecto de candidatura ao Proder. Eram 23h00. Lá estávamos nós, com os nervos em franja, com os miúdos no carro, nos CTT da Expo- Cabo Ruivo-, com o envelope na mão. Era o último dia para entregar, à ultima hora, ou não seriamos nós. 
Tinha o peso de uma vida aquele CD empacotado. Mais do que frágil…era um pacote cheio de vida. Ali estava a nossa esperança na mudança. Estava sonhada. Estava escrita. Agora depositada e finalmente  entregue. Senti um certo abandono ao sair dali. Tinham chegado ao fim 3 semanas loucas de trabalho intenso. (Sem o nosso contabilista-Vitor Duarte- este é o momento para brilhar, Vitor- teria sido impossível a viabilidade do projecto-:) 
Agora era preciso saber esperar pela resposta…

Alguém havia de abrir aquele envelope e  decidir se aqueles malucos podiam ir viver para o Alentejo, abrir um turismo, coisa de que nada sabiam (mas haviam de saber:) e aventurar-se, com os miúdos, a uma nova vida. Ela Jornalista há 16 anos na SIC, ele arquitecto. O projecto estava escrito e desenhado pelos dois. 
Alguém havia de tomar a decisão de nos deixar ser felizes. Na verdade confiávamos no destino, sem pensar muito no que estávamos a pedir. Queríamos criar um turismo de histórias! Era um  conceito diferente! Por que não?

 E esse dia acabou por chegar. Em forma de mail. Seis meses depois. Em Dezembro. Que melhor presente no sapatinho podíamos pedir?

Exmos senhores: "PROJECTO APROVADO".




 Claro que nunca é só e apenas assim. Só nesta versão poética e apaixonada. Na realidade, a pré-aprovaçao vem cheia de clausulas que é preciso cumprir mas, quem sonha e levanta os pés do chão…lê sempre primeiro o fim do documento. Foi o que fizemos. A partir daí foi um  lentamente retomar o solo e perceber que a aprovação implicava —TUDO—IAMOS VIRAR A NOSSA VIDA AO CONTRARIO! Era preciso contar aos miúdos onde estávamos metidos, era preciso fazer uma obra, tratar da decoração, empacotar, deixar amigos, família, fazer crescer um sonho, uma casa de HISTÓRIAS, onde tudo fosse possível. Uma casa mágica que levasse as famílias a querer voltar. Era por mãos à obra…( não vamos aqui falar da obra, que durou cerca de um ano, mas jamais iremos esquecer  que vivemos separados meses,  durante cerca de metade da semana, o Pedro dormia  no monte e eu em Cascais, com os miúdos na escola)…não foi fácil. (Deve ser isso que é crescer...).

Passemos diretamente para Junho. Um ano depois da obra. Dois anos depois de termos enviado o envelope mágico.

JUNHO 2015: Fim da escola. Caixotes cheios. casa semi-empacotada. Rumo: Sul. Direcção praias, mais tempo, ver: mudar de vida. 


Dia da mudança


Contratámos uma empresa em dois dias. Pusemos os miúdos na minha mãe. Apontámos armas a uma mão cheia de amigos que concordou em mudar-se, num fim de semana, para uma casa sem luz, sem agua canalizada, vazia. A nossa casa de fim de semana em Grandola tinha agora crescido. De um T3 passou a 7 quartos de um turismo, salas, alpendres, cozinha ampla com vistas incríveis...
E Quando digo casa vazia é mesmo VAZIA. Zero mobílias.





Foram eles, os amigos, que concordaram em começar a montar este  sonho connosco. Em dois dias. Num fim de semana. Era o que tinhamos e foi o que fizemos. O plano era chegar com a mobília e tentar pôr tudo no sítio.  

Chegámos naquele fim de manhã com o piano, os lustres, as cadeiras, mesas de casa dos nossos avós, o que pudemos resgatar de pais, restaurar de família. Os tapetes, os quadros, relógios de parede...Tudo fazia sentido e parecia encaixar como num puzzle. Chegámos capazes de mudar o mundo. Com um calor que nos engolia mas nos fazia rir só de pensar que faltava, afinal,  tudo. (atenção: para quem queira replicar todo este processo de mudança de vida: não é possível fazer como fizemos, se precisarem de planear:) Nós somos Reis no improviso e esta música nós cantámos bem...

Ao nosso ritmo tudo foi feito à batida do amor. Era para trabalhar,  para rir, para  gargalhar, para pegar em pesos pesados, era para parar, para largar, para apanhar sol, conversar, era dividir uma única lâmpada, que acendíamos na assoalhada que estivéssemos a usar… era ir buscar cafe num termos à taberna, era pedir manteigas no café…era preciso viver como um todo, sem grandes regras, para que aquele fim de semana nunca mais fosse esquecido. Era preciso ser realmente feliz a mudar de vida e agradecer àquele grupo de amigos, que loucos como nós, sabiam que juntos estávamos a construir uma vida nova e uma casa…com um final feliz.

Foram 48 horas de amizade intensa. Que jamais iremos conseguir explicar, agradecer, contar, justificar. Daquelas amizades que…caramba. são das boas!

As camas chegaram no mesmo dia, os lençóis, toalhas, toalhas de piscina… sofás, televisão (vá, a televisão era só uma. A única que cá continua.)

Enfim, chegou tudo. Louças, talheres, toalhas, panos...Naquele dia veio tudo. E era preciso arrumar. 7 quartos do turismo. As salas. a cozinha…A nossa casa. Era preciso ser completamente louco para ser feliz naquele manicómio. E nós fomos. Genuinamente felizes. Todos juntos. 









******Obrigada Joana Vilarinho BFF, Joao Pato, Filipa Reis, Claudia Janeiro. Mãe e João. Mano (por todos os trabalhos forçados e fora de horas:) OBRIGADA Avó...que sempre aqui estiveste e que aqui estarás. Para sempre. Obrigada Meu amor por seres completamente louco. E por acreditares em Nós.******

Hoje vamos parar por aqui. É preciso tempo para agradecer. (uf.)

O que ficou:

----16 anos de SIC. Nunca cheguei a dizer adeus aos meus amigos. Chefia. Direcção. ZERO. Saí, com meia dúzia de colegas para almoçar, com a promessa de um JÁ VOLTO. Até hoje, nunca mais regressei à SIC. Passou um ano e meio. É. Será sempre a minha casa. É lá que estão os meus amigos. Muitos amigos. (Estará agora na hora de pisar aquele solo, já sem medo das saudades. Não, nunca me arrependi!-NEM UM ÚNICO DIA, e era daquelas que adorava o que fazia!:)

A Maria do Mar estudou sempre na mesma escola desde os 3 anos. Tinha 10 anos no dia da mudança.. Dizer que  foi tudo maravilhoso, desde o início, seria mentir DE FORMA TOTALMENTE DESONESTA. As amigas choravam. Ela chorava. As mães sofreram. Eu sofri. Fiz o meu papel: “Filha, vais conhecer pessoas que vais adorar no Alentejo, não vais perder os melhores amigos, vai doer mas vais crescer muito mais forte. (Passaram 5 meses até se apaixonar (literalmente) pela NOVA VIDA, pelos amigos, a escola, a liberdade…o ALENTEJO.



A Alice, ainda nao tinha 3 anos. Era FELIZ em qualquer lado. Com a mudança feita antes do verão, achou que no Alentejo não havia escola…porque não ia à escola. Achou que não era preciso usar  roupa, nem sapatos. Viveu três meses enfiada no seu fato de banho, todo o dia, até cair para o lado, de tanto correr descalça. A Alice passou a Tom Sawyer de purpurinas. Virou a miúda que corre em cima de cardos. Passou a caçar patos, voar atrás de coelhos, agarrar qualquer animal que exista no mesmo metro2. A alice virou a miúda do monte sem medos. A miúda que pede para dar biberão à ovelhinha que acaba de nascer, mesmo que seja de noite. Esta Alice nasceu no monte. 



Para o Bernardo, que ficou em Lisboa com a mãe, a mudança  foi dura mas meio encantada. A adaptação do pai a viver no monte..mas o pai que não desiste. Que vai buscar e levar à escola a Lisboa. Que chega a uma casa  debaixo das estrelas. Que no dia seguinte acorda cedo e vê no alpendre, antes das 7 da manha, uma raposa a beber no nosso espelho de água…antes de seguir no carro os 100 km de regresso à civilização…




O Pedro, não fosse o impacto e a dureza deste caminho,  para matar as saudades do filho, teria chegado ao paraíso. Foi, talvez, quem mais depressa se adaptou à vida no Alentejo. Ele, na verdade, já nasceu adaptado a isto. Por ele, não fosse o Bernardo, raramente ia a Lisboa. 

Já eu, vamos lá por partes: o primeiro verão foi um céu cheio de estrelas e um alpendre inundado de amigos. Foram noites a ouvir o Pedro tocar guitarra, em qualquer pedaço de chão vazio, lá se acomodava de copo cheio e enchia o meu. 

Foi uma casa  de histórias( que me desculpe a Paula Rego), casa cheia de cor e de vidas, de gente que procura saber por que mudámos de vida e como se faz. Foi um verão para pôr os quartos.  Foi convidar família para ficar, foi festejar aniversários, abrir mais um quarto e outro e mais outro. Foi apenas em Outubro, do ano passado, que abrimos os 7 quartos ao público e que oficialmente abrimos as portas. 




Dia 15 de Outubro de 2015. Assim nascia o Romeu e Julieta, o Mil e Uma Noites, o Peter Pan, o Alice, Felizes para Sempre e as cabanas Tom Sawyer e Robin Hood. Sete Quartos num turismo onde queríamos fazer diferente. Honesty bar, cinema ao ar livre, passeios para alimentar animais...mas esse capítulo pode esperar...

No dia 15 de Outubro houve café e bolo e uma felicidade tonta, daquelas que festejamos, sem saber exactamente o que nos espera.







Falta-me, agora,  falar sobre a Luisa. A nossa empregada de Cascais. Um dia, em conversa comigo, informa-me, na nossa cozinha, que também queria mudar-se para o monte. Disse-lhe, em tom de brincadeira, que estava louca. O que queria ela vir fazer para o monte? Disse-lhe também, que se queria mesmo, que falasse com o sr arquiteto:) (O Pedro, que não estava a contar com quarto para ela:) Foi desta conversa informal que nasceu a LUISA do monte. Ficou decidido que a Luisa iria fazer bolos pela manhã e panquecas…que iria ficar responsável por receber pessoas, mostrar o espaço, quando eu não estivesse. A Luisa é hoje a nossa Luisa. É família nos desenhos da Alice. É quem nunca se zanga. É quem trabalha, sem dar conta das horas. Obrigada nossa Luisa! 




Somos uma casa cheia que se junta todos os dias na mesa de madeira de 3 metros, que era do avo do Pedro. Esteja ou o não o turismo cheio. É na mesa da cozinha de madeira que contamos as nossas histórias. Os nossos segredos. Que temos as melhores vistas para quem cozinha. Que recebemos quem aparece. Que mostramos a nossa alma. 





…E depois…foi quando o Outono chegou. 
(tic-tac…tic-tac…).