MUDAR DE VIDA
Ensaios de quem já vivia irrequieto- da Cidade para o Campo.
Capítulo 1- Por que quisemos mudar de vida?
Há dois anos a vida engoliu-nos. Uma história como todos vivemos. Aqueles anos maus. Que nos fazem repensar tudo. Morreu a mãe do Pedro. Morreu o padrasto. Perdemos um bebé. A vida por momentos parou quando o coração da pequena sereia deixou de bater. Aqueles segundos marcaram a nossa vida para sempre e Elas salvaram-me. Eu tinha 40 anos e o Pedro também. Podiam ter bastado estas razões para mudar de vida...mas havia mais.
Elas: a ALICE, irrequieta bailarina, com pouco mais de um ano. Que me sugou a atenção até ao limite. Que me fez rir e agarrar-me ao maravilhoso mundo que tenho. A Maria do mar, a caminho dos 10 anos, na altura. A minha bomba relógio emocional. A minha artista, cantora, que não passa um dia sem mostrar que habita um palco só dela. Elas salvaram-me. E falta o Bernardo, filho do Pedro. Um filho de coração..desde os 4 anos de idade. (Tem agora 11)! Ufa. O tempo passou e ele cresceu e já não me dá água pelo cabelo) mas é rapaz e não me dá sequer Tempo de fazer uma tosta sem que entorne um copo de groselha no tapete ou que parta o pássaro, de louça, da mesa da sala, porque se esqueceu que estava a sonhar acordado.
Entre a vivacidade da história que vos vou contando e a mudança que hoje concretizámos- mudámos para o campo há 1 ano e dois meses- habitaram meses de angustia, numa receita de mistura com fins de semana românticos, escapadas em auto-caravana, a loucura de toda a burocracia envolvida, um carrocel que nos encaminha sempre para a superfície, mesmo quando a água é turva, em temporadas de fortes dilúvios.
O momento chave em que aquele telefonema se fez foi em Novembro, de há 2 anos : - estou, amor? já decidi. Vamos mudar de vida…
-hummm…ok. Ouvi do outro lado, com a tranquilidade que consegue ter, perante as minhas avarias. (pausa) e retoma: - mas hoje? seguido de um sorriso.
Já nem foi preciso responder. Ele e eu sabíamos que ia acontecer. Agora estava assumido. Dito. Ouvido. Interpretado.
Foram alguns meses de vida entre os fantasmas do passado, as decisões sobre as escolas, o que dizer aos miúdos sem parecermos uns monstros- iriam sair da escola de sempre, o colégio com os amigos desde os 3 anos, para a escola pública, do campo- Dizer à família, contar aos amigos, empacotar a casa de Cascais sem a deixar demasiado despida, construir uma casa nova e abrir as portas de um turismo, sem experiência na área, apenas com a vontade de mudar de vida. E esse é o primeiro segredo para que resulte: querer mudar.
Há mais o que ajude: toda a bipolaridade de quem vive numa cama elástica desde que se conhece. Eu. A definição é da Joana, uma das minhas melhores amigas, mas esta cama elástica existe e resulta. Não podia ela estar mais certa. As mulheres da minha família não baixam os braços e no meu caso os assuntos são levados com a ligeireza que me caracteriza, ou seja, só pelas miúdas posso cair ao tapete mas é cair e levantar para reagir e de resto é dormir, usar as amigas como psicólogas e acordar para a vida que amanhã há mais-. Somar e seguir, não baixar a cabeça, é tomar decisões e decidir sempre que seremos capazes.
Foi desta forma que o monte, até então, casa de fim de semana, com 90 metros quadrados, sem luz elétrica e água canalizada, que tinhamos comprado no dia 1 de Abril, há 6 anos, se transformou no mais perfeito futuro lar da família, resultasse ou não esta ávida embriaguez de mudança. Filha de uma mãe que mudou de casa mais de 15 vezes, e que nunca se importou de deixar as casas para traz, sabia o meu coração que tinha condições para ser nómada, não fossem as duas miúdas que me tornaram um pouco mais mole, mas também por Elas eu queria arriscar. Durasse o que durasse. Elas teriam de ver que Mudar Custa mas que depois resulta. Fosse um ano apenas. Havia de lhes ver as mudanças nas entranhas. E vi- capítulo que há de chegar, para quem tem interesse em saber como os loucos mudam de vida e até sobrevivem:).
O Pedro arquitecto. Sonhador. Meu companheiro de aventuras. Eu jornalista, em televisão, da mesma casa, há 16 anos.
Estávamos preparados para uma mudança que, na verdade, nem sabíamos qual iria ser. Queríamos recomeçar.
Entre canetas e desenhos a coisa havia de funcionar. Foi assim que desenhámos e nos atirámos para um projecto todo por fazer. Existia na nossa cabeça mas estava por desenhar e concluir. Ele havia de fazer os rabiscos:) e tratar das autorizacoes. Eu havia de desenhar a história. Como receber os hospedes, como seriam os quartos, a decoração e a energia da casa. (sem os melhores amigos isto fazia-se, mas mal, e sem metade da graça).
Dissemos aos miúdos o que precisavam de saber: - Temos três semanas para trabalhar muito num projecto. A casa vai virar uma pilha de papeis. Não mexem, não tocam, não respiram na sala. Os pais têm de trabalhar muito para pôr de pé um sonho. Vocês vão participar neste sonho e têm de ajudar. Foram os melhores soldados, numa auto-gestão poética, onde deixámos de ver fim aos iogurtes líquidos bebidos e atirados para o lixo, três semanas em que a Alice, com dois anos, cresceu, de tal maneira que se tornou autónoma e, claro, a minha avó e a minha mae fizeram o papel de avo e de mãe: entre por as mãos à cabeça e ajudar, houve de tudo.
Sobravam ainda os trabalhos extra: contabilidade, decoração, orçamentos: foram distribuídos aos amigos. Aqueles que sabem que teriam de abdicar da vida para nos ajudar. Os nomes dos quartos e o conceito da nossa casa nova foram debatidos em jantares- melhores amigas-as minhas galinhas-onde a vida se resolve sem recorrer a medicação:) e lá nasceram os quartos, à medida que o Alentejo, em versão tinto se bebia(...)
(continua...ao bater do coração..).
Bárbara Alves da Costa